O feminismo negro em A Cor Púrpura

10:20 Carolina Carettin 0 Comments


A Cor Púrpura faz parte do Projeto Lendo o Mundo.

Sou mulher, mas não sou negra. Porém, é impossível ler A Cor Púrpura e não se identificar com a história das mulheres representadas. Para mulheres negras a identificação provavelmente acontece mais facilmente.
Claro que direitos foram conquistados por mulheres e negros desde o início do século XX - época em que se passa a história -, mas ainda sofremos com a desigualdade de gênero e de raça, duas principais temáticas tratadas.
A Cor Púrpura é narrado em primeira pessoa por Celie, que escreve cartas para Deus. As primeiras cartas já permitem que o leitor saiba que a personagem é abusada sexualmente por seu pai e que ela teve dois filhos dele, que acredita estarem mortos.
Celie acaba sendo "doada" (dada) a Sinhô, seu marido, homem que a trata mais como escrava do que como esposa. A brutalidade e violência com que Sinhô - tratamento que já mostra uma situação de submissão - trata Celie estão ligadas a forte paixão que ele nutre por sua ex-amante Doci Avery, conhecida cantora de blues que o deixa para viver do canto. 
Celie também acredita ter perdido sua irmã, com quem não tem mais contato desde que saiu de casa. Está sozinha, morando com um homem que não a respeita.

"Mas eu num sei como brigar. Tudo queu sei fazer é cuntinuar viva."

Após a Emancipation Proclamation, promulgada em 1° de janeiro de 1863 pelo presidente Abraham Lincoln nos Estados Unidos, "os negros obtiveram direitos iguais aos brancos em 1868. Dois anos mais tarde, [...] garantiu-lhes a igualdade de direito eleitoral. Estados como Carolina do Sul, Mississippi e Louisiana, porém, deram um jeito de burlar os direitos dos escravos libertados, mantendo restrições legais, os chamados black codes". Os black codes eram práticas que restringiam as liberdades e os direitos civis dos afro-americanos, que seriam conquistados - no papel - somente em 1964, com a Lei dos Direitos Civis. Ou seja, continuaram vivendo à margem da sociedade.
A situação no Brasil não foi muito diferente. Os ex-escravos eram discriminados pela cor da pele (e seus descendentes ainda são) e acabaram somando-se à população pobre "e formaram os indesejados dos novos tempos, os deserdados da República".
“Nunca houve anos no Brasil em que os pretos (...) fossem mais postos à margem”.  Lima Barreto

As mulheres só obtiveram o direito de votar em 1920, nos EUA, e os negros somente em 1965 após a instituição da lei Voting Rights Act que proibia o uso de parâmetros relacionados à cor da pele e grau de instrução. 

"Harpo, ela [Sophia] diz. (...) Harpo, num deixa a Celie carregar toda a água sozinha. Você tá grande agora. Tá na hora de ajudar um pouco.
As mulher é que trabalham, ele diz.
Quê?, ela diz.
As mulher é que trabalham. Eu sou home.
Você é um negro safado, ela diz. Pega aquele balde e traz ele cheio.
(...) Sinhô chama a sua irmã. Ela fica na varanda falando um pouco, depois ela volta, tremendo.
Tenho de ir, Celie, ela diz.
Ela tá cum tanta raiva que as lágrima iscorrem enquanto ela arruma as coisa dela.
Você tem que brigar cum eles, Celie, ela diz. Eu num posso fazer isso pur você. É você mesma que tem que brigar pur você."

O termo sororidade, parte do feminismo contemporâneo, é pulsante nas relações entre essas personagens, o que faz com que elas se ajudem mesmo se não há grande afinidade entre elas. 

"Olha só pra você. É negra, é pobre, é feia, é mulher. Você não é nada!"

Assim, Alice Walker faz um retrato de uma época em que ser negro era difícil, mas ser mulher negra era pior ainda. Se os negros estavam à margem da sociedade, as mulheres negras só serviam para cuidar da casa (a sua ou da dos outros) e sem reclamar. Celie, Doci, Sophia, Nettie, Mary Agnes e todas as mulheres retratadas no livro são muito fortes e profundas. São críveis porque elas existiram e ainda existem em todo o mundo. 

O romance de Alice Walker venceu o Prêmio Pulitzer de Ficção e o National Book Award, ambos em 1983.


A autora
Alice Walker nasceu em 1944, em Eatonton, na Geórgia. Trabalhou como assistente social, professora e participou do Civil Rights Movement, em 1960 no Mississippi. Além de A Cor Púrpura, também escreveu O templo dos meus familiares, Vivendo pela Palavra, Rompendo O Silêncio e De amor e desespero, obra composta por vários contos sobre mulheres negras do sul dos Estados Unidos.
Três anos depois do lançamento de A Cor Púrpura, Steven Spielberg levou a história aos cinemas, com Whoopi Goldberg, Oprah Winfrey e Danny Glover no elenco. O longa recebeu 11 indicações ao Oscar.
A autora incorporou personagens do romance e suas relações em outros dois livros: The Temple of My Familiar (1989) e Possessing the Secret of Joy (1992), que receberam boas críticas e foram bastante discutidos por tratarem de assuntos como a prática de mutilação feminina.








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