Os documentos de Zambra

17:01 Carolina Carettin 0 Comments



Meus Documentos (Cosac Naify, 2015) é uma coletânea de contos do chileno Alejandro Zambra, em que traça um panorama entre a história de seu país e o desenvolvimento humano de seus personagens. Segundo o autor, em entrevista, eram 25 contos no início. "Mas fui ficando com esses 11; queria que fossem como 11 filhos, todos ligeiramente parecidos e diferentes ao mesmo tempo", diz.

Em várias histórias, Zambra cita o ditador Pinochet, que liderou o golpe militar em 1973 no Chile e derrubou o governo democrático de Salvador Allende; e o plebiscito que teve forte campanha pelo No (Não). Sobre isso vale ver o filme de mesmo nome com Gael García Bernal.

Camilo, por exemplo, é um conto sobre pais e filhos; exílio; amadurecimento e futebol. Este último, usado para criar proximidade entre os personagens. Aliás, o futebol aparece em outros contos, como em Obrigada, em que dois personagens são assaltados e os bandidos começam a perguntar para qual time torciam e de quais jogadores gostam mais.

Lembro da câimbra na mão direita depois das aulas de história, porque Godoy ditava durante as duas horas inteiras. Ensinava-nos a democracia ateniense ditando como se dita na ditadura.

"Eu não acho que a literatura e o futebol sejam tão distantes. Como o tempo descobri que os escritores queriam ser jogadores de futebol ou roqueiros, e que se convertem em escritores porque não eram tão bons quanto o Zico ou como Caetano Veloso. No meu caso, quis ser jogadores, depois músico, assim, o futebol é a minha vocação original", afirma ao jornalista Jonatan Silva.

Há histórias melancólicas, histórias engraçadas, histórias pesadas  e histórias que o próprio Zambra se confunde com os personagens. E como dizer que ele não viveu nada daquilo? Um autor coloca em sua obra toda sua vivência e, pelo título do livro, podemos dizer que muito de Zambra está em Meus Documentos. Em outra entrevista, dessa vez para o Contracapa, ele afirma: "Acredito que todos os romances são, de algum modo, autobiográficos, mas às vezes são o contrário de uma autobiografia. Os romances apostam na multiplicidade". Para a Cosac, o autor disse "encontrei vários escritores que sou ou que penso ser" com Meus Documentos. 


Perguntei a ele qual era a diferença entre um poema e um conto. Estávamos na piscina, deitados ao sol, em plena fotossíntese, como ele dizia. Olhou para mim com ares pedagógicos e me disse que um poema era o exato oposto de um conto - os contos são entediantes, mas a poesia é loucura, a poesia é selvagem, a poesia é um fluxo de sentimentos extremos (...).

Zambra é a pura poesia do cotidiano. Sem floreios, o autor nos apresenta histórias e personagens que podemos encontrar em qualquer lugar. São homens, mulheres e até animais que crescem e amadurecem durante a leitura. Livro crível e palpável que deixa o leitor curioso por mais.

*

Alejandro Zambra nasceu em Santiago, em 1975. Bonsai foi seu romance de estreia e, com ele, ganhou o Prêmio da Crítica e o Prêmio do Conselho Nacional do Livro, no Chile. Também é autor de A Vida Privada das Árvores, Formas de Voltar Para Casa e Facsímil (todos lançados pela Cosac Naify). Foi eleito pela revista britânica Granta um dos melhores jovens escritores hispanoamericanos. 


0 comentários: